...Um dia frio e chuvoso, um ótimo lugar pra ler um livro e o pensamento....ah o pensamento voa... Dia desses choveu e esfriou um pouco, então da janela da biblioteca fiquei contemplando a paisagem molhada e cinzenta...
O asfalto molhado, dezenas de árvores, milhares de folhas ao chão e outras milhares ainda nas árvores proporcionando um ventinho frio que foi soprando pela janela e tudo isso me reportou a um passado remoto...
Senti saudade da minha infância no campo, do orvalho na grama de casa pela manhã, do cheiro das árvores e dos pássaros, saudade de soltar pipa sozinha pelo simples prazer de observá-la voando lá no alto pertinho do céu, de fazer castelos na areia no fundo de casa, de construir pontes, descobrir rios, conhecer tribos, criar animais...Como se eu tivesse o poder da criação...e tinha, o maior poder de criação, a imaginação de uma criança!
Saudade de montar barraquinhas no fundo de casa para vender limonada para quem chegasse. O pai que sempre chegava cansado da roça e com muita sede era meu único freguês, pagando 0,50 (cinqüenta centavos) por cada copo de suco consumido.
Saudades de andar a cavalo, subir nos pés de manga, descansar na sombra do “Sete Copas”, subir nas porteiras e ficar contando segredos para a melhor amiga, como se eu soubesse o que era segredos...Da porteira eu também observava o por do sol, um contraste entre a vermelhidão do sol e o azul do céu misturado com o verde da grama do pasto e das árvores.
Saudade de pegar atalho para chegar ao pomar antes da mãe e ficar escondida para assustar ela..Depois de um certo tempo ela já tinha se acostumado com a brincadeira e antes que eu pudesse assustá-la ela vinha dizendo de longe a frase do desenho animado preferido: “Querida Cheguei!!!”
Saudade de fazer casinhas atrás da casa com as caixas do pai colher as frutas...Eu desmanchava as casinhas correndo e tentava empilhar as caixas novamente quando ouvia o barulho do trator, ou do fusquinha chegando..sabia que ia levar a maior bronca...saudades da mãe brincando de me empurrar na carriola, saudade do Lira-lira me ensinado a pedalar a bicicleta e da raiva da tata quando eu passava debaixo do varal quando ela havia estendido roupas...saudade da casinha que o Lira e o pai construíram pra mim ficar brincando na sombra enquanto eles colhiam goiaba...
Certa vez, eu contei pro pai que eu tava cansada de ficar sozinha na casinha. Então o pai encomendou com o Josias uma cestinha de bambu para eu ajudar apanhar goiabas também, quando eu quisesse é claro. Às vezes eu ficava olhando o Lira-lira molhar a goiaba, olhando a água ir arrastando as folhas e imaginando que fosse um rio e até dava nome para eles cujos quais agora não me recordo. Alguns dias a tata ficava em casa para fazer almoço e me colocar no ônibus da escola. Quando eu chegava da aula, ela me mandava levar as marmitas na roça e apesar da longa estrada de terra e do sol quente, eu ia com muito gosto, isso significava que eu ia ganhar mais um pedaço de bife/lingüiça ou salsicha....rsrsrs....Apesar de sempre me alimentar antes de ir levar o almoço na roça eu ficava olhando para as marmitas com cara de piedade, isso era proposital e sempre funcionava.
Sinto saudade de desmanchar as casinhas das formigas, de sentar na janela do quarto do Lira-lira e observar a mãe costurando roupinhas para as minhas bonecas, a Michele, a Alice, a Valentina e o Bebezão. As bonecas eram minhas, mas a mãe tinha ciúmes e cuidava bem delas. O Bebezão era o preferido dela.
Saudade de subir sobre os maquinários que ficavam espalhados pelo sítio, as roçadeiras eram minhas preferidas. Eu gostava também de espiar o Lira-lira namorando a Claudinha no barracão.
Aqueles prédios antigos e molhados que eu observava não sei por qual motivo me fizeram lembrar de muitas outras coisas...O dia que eu chamei o Cláudio de “fi duma puta”, a mãe fez eu ir lá na casa da Inês pedir desculpas pra ela...a mãe sempre me deu educação e me ensinou a ter humildade para me desculpar com as pessoas quando necessário.
Meus pais gostavam de ouvir música. Meus irmãos também. O pai e a mãe ouvia música na sonata e eu morria de rir do shot do sapo...O Lira e a tata ouviam Gian & Giovani, Zezé de Camargo & Luciano, Leandro & Leonardo, Lucas & Luam entre outras duplas sertanejas isso quando o rádio não engolia as fitas....rsrsrsr...Ainda me recordo de alguns trechos das músicas como por exemplo: ♫ Horizonte azul, vermelho, luzes a brilhar; ♪ Menina veneno o mundo é pequeno demais pra nós dois...O Lira era terrível e uma vez fez uma paródia com a música 60 Dias apaixonado, eu me lembro perfeitamente da letra mas prefiro nem postar...rsrsrs...Já eu, quando a tata deixava eu ouvir o rádio, tocava minha única fita da dupla Sandy e Júnior que o Lira comprou pra mim no camelô.
De vez em quando meus irmãos iam nadar no motor ou na caixa d’água mas nunca me levavam.
Lembrei do nome de amigos e vizinhos que marcaram minha infância: Itamar, Sr. João, Dª Laura, Mirtinho (dos olhos verdes), Fabinho (Patinho), Lambão (cachorro da Dª Cleusa), Elaine, Eliana, Sr. Rubens, Joel, João, Gerardão, Dª Nair², Sr. Mané, Jaqueline, Juliana, Lindaura, Rose (do despertador), Geraldinho, Cadmo, Jora, Caio, Sr. Nelson, Márcia, Inês, Cláudio, Tengo, Adriano, Mário, Dió, Hideck, Cuca, Célia, Vanessa, Gisa, Vânia, Deca, Fátima, Luciano, Poliana, Pâmela, Daiana, Kwik, Dª Mercedes, Seu Paulo, Seu Pedro, Marcos, Marcelo, Paraíba, Érica, Ronaldo, João Pedro, Luzia entre outros...
Lembrei da paineira grande que ficava na estrada que ia pro barracão onde eu ficava andando de bicicleta, lembrei de quando os tios e primos iam passear em casa, lembrei da Tiana e do enorme...Lembrei dos meus cachorros...do PC que morreu na pista... a mesma pista onde tata achou a Babalú que era o nome da nossa cachorra.
Meu apelido era bebelô que depois virou nome do meu cachorro; já com minha mana foi o contrário deu nome de babalu pra cachorrinha e mais tarde viraria o apelido dela...
Lembrei também do dia que eu mais gostava: O dia da compra, o pai sempre comprava muitos doces pra mim, eu era a caçulinha boazinha dele....ahhh nessa época o pai gostava de mim...
...Mais as coisas mudam, a gente cresce, as ideias divergem, os irmãos se casam, vão embora, constroem famílias, a gente fica sozinha, na batalha de trilhar um bom caminho, superando obstáculos, enfrentando preconceitos....e voltando pra dura realidade...